“Foi um período bem complicado, de muitos medos, muitos receios em relação ao futuro, se eu conseguiria ver as minhas filhas crescerem”. Os momentos ruins nos mais de 10 anos lidando com uma insuficiência renal não assustam mais o professor de educação física Ramon Lima, 40 anos.
Em 2020, ele recebeu um órgão compatível e, hoje, encontrou no esporte um modo de incentivar a doação de órgãos e “mostrar para a sociedade que transplantados não são um público que tem inúmeras restrições, que não podem fazer nada”.
Ramon é fundador da recém-criada Liga de Atletas Transplantados do Brasil e se prepara para disputar o World Transplant Games 2023, na Austrália.
Ele conta que a prática esportiva, além de todos os benefícios para a saúde, contribui para a autoestima de transplantados.
“Pude perceber que existe, sim, possibilidade de a gente ter uma vida normal. O esporte me deu uma motivação, me tirou essa angústia, esse medo. A gente se joga, a gente vai treinar e a gente pode mostrar para os outros, e para a gente mesmo, que é possível”, aponta.
O médico nefrologista Alexandre Tortoza Bignelli concorda, mas ressalta que é preciso atenção nos esportes de contato, como artes marciais.
“Não há uma limitação plena para esses pacientes transplantados. Eles podem executar praticamente todas as tarefas. Eu tenho pacientes que jogam tênis, futebol, praticam corrida, natação, então, de forma geral, eles conseguem ter uma atividade próxima de uma pessoa que não é transplantada”, explica o médico que é coordenador do Serviço de Transplante Renal do Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba, e tem acompanhado Ramon durante todo o tratamento.
Bignelli lembra que, mesmo em pessoas “ditas saudáveis”, é importante fazer uma avaliação prévia para a prática de atividades físicas. “Pode ser que um exercício bom para uma pessoa não seja adequado para outra. E você tem que ter pelo menos uma noção da condição cardiovascular desses pacientes para indicar a quantidade correta da atividade física”, orienta. Ele destaca ainda que eles têm acompanhamento regular, o que garante um maior controle. “Esses pacientes, de forma geral, já são avaliados com recorrência porque o transplantado tem uma necessidade de tomar medicamentos para reduzir sua defesa, para não ter rejeição.”
A Liga de Atletas Transplantados do Brasil está em processo de formalização para se tornar uma associação. “Nós temos 20 atletas, neste momento, já pensando no Mundial”, enumera Ramon. Ele acrescenta que outros atletas também estão mobilizados em conseguir patrocínio para a participação nos jogos, elevando a delegação brasileira para cerca de 30 competidores. “O principal objetivo [da federação dos jogos mundiais de transplantados] é ser reconhecido, daqui alguns anos, como mais uma olimpíada, assim como foi com as paraolimpíadas”, relata o professor.
Ramon, que pratica o atletismo, destaca que o esporte é um aliado importante para a saúde física e mental dos transplantados. “A gente continua tendo a imunidade mais baixa, mas a atividade física proporciona uma melhoria dessa imunidade e, consequentemente, menos doenças e menos internações e tudo mais”, aponta.
Ele acrescenta, no entanto, que essas iniciativas dão visibilidade à importância da doação de órgãos. “Muita gente não sabe que você precisa dizer para sua família que você quer ser doador, caso aconteça alguma coisa”, reforça.
Bignelli explica que a doação no Brasil não é presumida. “Significa que, quando a pessoa é um candidato a doar órgãos, ela estará em morte cerebral e a decisão de doação cabe aos familiares. Então, se uma pessoa quer doar órgãos, ela tem que se manifestar em vida para os seus familiares dessa possibilidade”, orienta. Sobre essa decisão, ele lembra que “nós temos muito mais chance na vida que alguém nos doe um órgão do que a gente propriamente doar”.
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