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Pobreza menstrual afeta 713 mil pessoas no Brasil

Para especialistas, leis e programas de proteção e promoção da saúde menstrual significam avanço para a garantia dos direitos da mulher

12/07/2022 10h35
Por: Redação Fonte: Agência Dino
Elias Costa/Unicef
Elias Costa/Unicef

Vergonha, constrangimento e baixa autoestima. Estes são alguns reflexos da pobreza menstrual, tema que chama a atenção para as condições de vida nas quais se encontra boa parte das meninas e mulheres brasileiras, que sofrem com a escassez de produtos de higiene menstrual, de infraestrutura apropriada e de conhecimento sobre o assunto. 

A menstruação é um processo biológico do ciclo reprodutivo feminino que se inicia, em média, aos 13 anos e se encerra por volta dos 50. Um levantamento apresentado em maio de 2021 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) revelou que 713 mil pessoas que menstruam não têm acesso a banheiro e/ou chuveiro em casa, e que mais de 4 milhões não dispõem de itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, como absorventes ou mesmo pias com água-e-sabão, e nem mesmo de serviços médicos e acesso a medicamentos.

Já o relatório Livre para Menstruar, elaborado pelo movimento Girl Up, aponta que no Brasil, 30% de mulheres e meninas menstruam e 17% das meninas com até 19 anos não têm acesso à rede geral de distribuição de água. Além disso, o relatório estima que 200 mil adolescentes estudam em escolas com banheiros impróprios para o uso. A pesquisa também aponta que ao longo da vida menstrual, uma mulher pode gastar entre R$ 3 mil e R$ 8 mil com absorventes.

Tal fenômeno, assim como outros, se desdobra das desigualdades social, racial e de renda, afetando principalmente a faixa de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apurados pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), cerca de 29,6% da população brasileira, o que equivale a mais de 62,9 milhões de habitantes, têm que sobreviver com renda per capita de apenas R$ 497 por mês, o que as coloca tecnicamente abaixo da linha de pobreza. Essa população era de aproximadamente 52,3 milhões em 2019. 

Segundo a professora Giedra Marinho Holanda Cavalcanti, dos cursos de Psicologia das Faculdades Tiradentes (Fits) e do Centro Universitário Tiradentes (Unit Pernambuco), a pobreza menstrual impacta a vida e o acesso à educação de muitas meninas país afora. “Os impactos vão desde a frequência escolar até as idas em locais públicos, porque elas se sentem incomodadas e, com vergonha, utilizam diversos artifícios [muitas vezes utilizam materiais inadequados para conter o sangramento menstrual durante o período] para conseguir frequentar esses lugares”, observa. Entre esses materiais, estão papel, tecido, várias calcinhas, algodão e até miolo de pão.

Giedra explica que, além do constrangimento e da vergonha, essas meninas podem ter diminuição da autoestima, ou seja, se sentirem inferiores às outras adolescentes por não conseguirem frequentar os mesmos locais quando estão menstruadas. “Esse impacto é muito maior do que a gente pode dimensionar. É um impacto não só de exclusão, por não frequentar escolas, mas também de se colocar no lugar de menos valia, de vulnerabilidade social, em que nem a jovem ou sua família têm condição de comprar absorventes. Essa situação as coloca à margem da sociedade”, destaca. 

Leis e políticas

O alcance deste problema inspirou a Lei Federal 14.214/2021, promulgada pelo Congresso Nacional em 18 de março deste ano, que institui a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade, privadas de liberdade e adolescentes internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa. A lei já vinha repercutindo desde em outubro de 2021, quando o presidente Jair Bolsonaro vetou artigos que previam a inclusão de absorventes nas cestas básicas das famílias de baixa renda cadastradas no Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Após uma intensa pressão de movimentos sociais e feministas, com apoio da opinião pública, o veto foi derrubado pelo Congresso. 

A professora Grasielle Vieira, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe), considera que a lei representa um avanço para a garantia dos direitos das pessoas que menstruam, sendo um marco inicial para a continuidade da criação de outras políticas públicas que contribuem para a superação do problema. Isso porque, antes mesmo de o veto à lei cair no Congresso, centenas de prefeituras e alguns governos estaduais criaram programas e reservaram recursos para distribuir absorventes gratuitos às meninas e adolescentes pobres. 

Grasielle relata detalhes de um projeto de pesquisa aprovado na Unit Sergipe sobre o tema. “Pobreza Menstrual e o ODS número 05: Violações de Direitos Humanos das Meninas no Brasil” visou analisar a pobreza menstrual no contexto das violações dos direitos humanos de jovens no Brasil, relacionado às metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de número 5, que dispõe sobre “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”. 

“A partir do mapeamento de leis e projetos de lei no âmbito federal e estadual, o projeto identificou os principais documentos e normativos internacionais de proteção aos direitos humanos das crianças e adolescentes em idade reprodutiva, assim como, as leis e projetos de lei nacionais e estaduais que tratam sobre a pobreza menstrual. Desse modo, com base nos resultados obtidos, foi realizado um mapeamento dos estados brasileiros que já possuem alguma regulamentação sobre a temática, para, assim, efetuar a análise de possíveis projetos e programas existentes para amenizar o problema da pobreza menstrual no Brasil”, reitera a professora, destacando a importância desta política pública para a superação da desigualdade de gênero. “A distribuição gratuita de absorventes revela-se extremamente importante para amenizar essa situação. É importante, além da distribuição dos absorventes, pensar no empoderamento das meninas, em ações com a comunidade, e na estruturação de políticas públicas protetivas”, alertou ela. 

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