O planejamento para ter filhos faz parte na vida de muitas pessoas, entre elas pessoas que convivem com doenças raras, como a Esclerose Múltipla (EM). A EM afeta 40 mil pessoas no Brasil e quase 3 milhões de pessoas no mundo, a maioria é diagnosticada entre as idades de 20 a 50 anos, com maior prevalência no sexo feminino, segundo dados de um estudo publicado, e da Federação Internacional de Esclerose Múltipla (MSIF). Em geral, é o período que as pessoas iniciam famílias e a criação de filhos.
De acordo com a médica neurologista Juliana Santiago, membro do Conselho Científico da associação Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME), o período da gravidez é hoje visto como protetivo para a pessoa que convive com EM, principalmente no terceiro trimestre de gestação. Há algumas décadas, as mulheres com EM não eram encorajadas a terem filhos, hoje sabe-se que a doença não tem contraindicação para a gravidez, conforme pesquisa publicada no Multiple Sclerosis Journal, em 2014. “Ao contrário do que se pensava até metade do século 20, as mulheres com EM podem engravidar se assim desejarem. A gravidez não impacta negativamente no prognóstico da doença a longo prazo”, avalia.
Além disso, segundo Santiago, estudos recentes demonstraram que a amamentação exclusiva pode ter efeito protetor no pós parto imediato. Foi o caso da publicitária Bruna Rocha Silveira, que possui o diagnóstico de EM. “Precisei parar a medicação para engravidar e continuei sem ela para poder amamentar Francisco”, lembra. Mesmo com o risco de uma recidiva da doença, ela passou pela fase sem sintomas da EM e retomou o tratamento logo após a amamentação.
Santiago explica que a decisão sobre o retorno imediato do tratamento no pós-parto deve ser individualizada de acordo com as características da doença. “Por exemplo, as pacientes com alta atividade de doença antes do parto provavelmente precisarão de retorno imediato do tratamento, já as que estavam estáveis e não apresentam características de uma doença agressiva talvez possam postergar o retorno do tratamento para amamentarem”, detalha.
Embora a gravidez reduza o risco de exacerbação dos sintomas da EM, pessoas com características de uma doença mais agressiva podem apresentar surto durante o período, principalmente devido à suspensão do tratamento. “Nesses casos a pulsoterapia poderá ser realizada, preferencialmente após o primeiro trimestre de gestação. Após o parto, geralmente no terceiro mês há risco aumentado de recorrência de surtos e por isso o planejamento pós gestacional também é importante para a segurança da mãe”, acrescenta.
Planejamentos pré e pós gestacional são essenciais
A médica afirma que é necessário realizar um planejamento gestacional. “São diferentes variáveis a serem avaliadas pela paciente e médico, mas destaco duas: o controle da atividade da doença por um período de 12 meses antes da retirada do anticoncepcional e uma avaliação do tratamento utilizado, pois algumas medicações para a EM não são consideradas seguras durante a gravidez.
“A gravidez e o puerpério são momentos especiais da vida da mulher, por isso é tão importante fazer planejamentos pré e pós gestacional adequados para a segurança da paciente”. Juliana também ressalta a necessidade do cuidado psíquico, uma vez que as pessoas gestantes e puérperas devem ser acolhidas e amparadas para que vivam esse período da melhor forma possível. “Os médicos e familiares devem estar atentos para possíveis transtornos psíquicos como por exemplo a depressão pós parto. O cuidado deve ser amplo e multidisciplinar, e não exclusivamente voltado para Esclerose Múltipla”, frisa.
Outra questão é a escolha da via de parto que, segundo Santiago, deve partir de uma avaliação obstétrica, baseada na saúde da paciente. “As pessoas com EM não precisam necessariamente fazer cesárea. Infelizmente esse é um equívoco comum e temos que falar mais sobre isso para evitarmos condutas inadequadas”, diz. Em relação ao bebê, o risco de aborto e malformação em mulheres com EM é semelhante ao da população em geral. O risco do bebê apresentar EM é de 1 a 5%, enquanto na população em geral é de 0,1 a 0,2%, conforme dados apresentados por Santiago.
Dúvidas e experiências viraram livro
O nascimento do filho da Bruna foi de parto normal, possível graças ao seu conhecimento sobre sua condição e o apoio de seus médicos. “Quando pensamos em ter o Francisco, nos deparamos com diferentes barreiras impostas pela sociedade para quem convive com condições crônicas de doença e deficiência e essa foi uma delas”, explica Bruna.
Bruna é casada com o historiador Jaime Fernando dos Santos Junior, ambos convivem com o diagnóstico da Esclerose Múltipla e, ao planejarem Francisco, decidiram escrever cartas para o menino e o conjunto delas virou um livro. “Enfrentar tudo isso exigiu coragem e foi assim que nasceu o livro Mapa de Afetos, da ideia de que não existe uma fórmula ideal para ter um filho. Por mais que tenhamos pessoas experientes junto, ‘maternar’ e ‘paternar’ é se relacionar com um indivíduo diferente de nós dois, o casal, o pai e a mãe”, relata. A obra, em português, pode ser encontrada na internet, em formato digital.
Referências:
CASSIANO, DP, et al. Estudo epidemiológico sobre internações por esclerose múltipla no brasil comparando sexo, faixa etária e região entre janeiro de 2008 a junho de 2019. Brazilian Journal of Health Review, nov./dez. 2020, v.3, n.6, p.19850-19861.
FEDERAÇÃO Internacional de Esclerose Múltipla (MSIF). Atlas da EM. 3ª Edição, set. 2020.
MILLER, DH, et al. Pregnancy, Sex and Hormonal Factors in Multiple Sclerosis. Multiple Sclerosis Journal, abr 2014, v.20, n.5, p. 527-36.
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